Pedro Henriques (Advogado, gestor esportivo e foi vice-presidente e diretor executivo do Esporte Clube Bahia
- 06/04/2022
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O Bahia vai virar SAF? Vale a pena?
A primeira e mais óbvia resposta é: depende!
Essa transformação depende da aprovação dos sócios. Mas a avaliação sobre isso ser uma oportunidade positiva ou não dependeria da proposta. Certo? Mais ou menos.
A Lei de SAF oferece aos clubes uma oportunidade de planejamento financeiro inigualável até então. A transformação de uma associação em sociedade anônima do futebol, apesar de um pequeno aumento na sua carga tributária, faz com que os clubes possam reestruturar seu passivo de forma mais controlada (ao menos em tese, pois precisaremos ver como o Judiciário e as entidades de organização do esporte tratarão dessa questão).
Hoje, a priori, do ponto de vista de organização administrativa, faz algum sentido promover a migração para SAF, independente de ter um investidor. O clube poderá ser o principal acionista da sua sociedade anônima do futebol, mantendo o controle sobre sua atividade fim (agora, também com finalidade lucrativa além da esportiva). Com isso, poderia, cuidadosamente, buscar um investidor comprometido em gerar um novo cenário para a entidade e sair do “mais do mesmo” disfarçado em roupagem de inovação.
Com essa conduta, o clube poderia ainda gozar dos benefícios de promover uma Recuperação Judicial, vincular os pagamentos a 20% do seu faturamento anual, se valer do Regime Centralizado de Execuções...
Por outro lado, convém destacar que o Bahia teve sua dívida tributária reorganizada através da adesão ao PERSE e Profut (FGTS). Além disso, apesar do rotineiro risco ocasionado por sua inadimplência, o clube possui um Acordo Global (Acordão) junto ao Tribunal Regional do Trabalho que transmite alguma segurança em relação ao passivo trabalhista. Por fim, as principais dívidas cíveis estão contingenciadas. Nesse cenário, parece não haver desespero para uso dos instrumentos ofertados pela Lei de SAF.
A principal medida para organização e consequente crescimento do clube é a previsibilidade do seu fluxo de caixa (evitando os temidos bloqueios judiciais de qualquer ordem), o que facilita o planejamento de médio e longo prazo.
Aí vem a questão a ser ponderada. Considerando o faturamento médio anual do Bahia nos últimos 5 anos, seria razoável imaginar que o clube pode ter nos próximos anos uma média de receita operacional anual na casa dos 120 milhões de reais? Se o passivo do clube está, como se afirma, por volta de 250 milhões, parece plenamente factível dizer que o próprio clube se transformando em SAF, sem necessidade de aporte de investidores, seria capaz de quitar seus débitos em 10 anos, desde que tivesse uma administração séria e eficaz, ou, mais precisamente, competente e responsável.
Tendo isso em mira, fica mais fácil para o torcedor/sócio mensurar os números que tornariam um possível negócio de “venda” do clube interessante.
O Bahia não é um Cruzeiro, Botafogo ou mesmo Vasco em termos de passivo (esses clubes têm dívidas substancialmente maiores e menos organizadas que o tricolor), o que faz com que a realização do negócio seja muito mais imperativa para eles do que para o Esquadrão.
Então o grande ponto aqui é: quanto seria razoável exigir de investimento de um potencial acionista com o objetivo de garantir um real crescimento no patamar financeiro do clube que o tornasse capaz, também, de mudar de patamar esportivo?
Honestamente, parece-me que algumas centenas de milhões seriam muito pouco para passar o controle de um clube que já é capaz de ter essa mesma receita em poucos anos. É preciso outras amarrações contratuais para garantir que o negócio seria, de fato, positivo e capaz de realmente elevar o nível do clube. Pior ainda se o aporte vier a conta-gotas, o que, na prática faria com que a própria operação do Clube viesse a “pagar por sua venda”.
Se o Bahia estivesse hoje no cenário esportivo do Fortaleza (classificado para a fase de grupos da Libertadores e campeão do Nordeste), por exemplo, será que a ansiedade para essa transformação seria a mesma? Circunstâncias momentâneas não deveriam ser fundamento exclusivo para decisões irreversíveis sem a devida cautela.
Não estou dizendo que um negócio não deva ser feito, apenas relembrando o valor que esse clube possui e as pessoas parecem ter deixado de enxergar, aparentemente, por conta do desespero decorrente dos fracassos em série que o time vem enfrentando e, também, em razão da falta de esperança numa mudança de rumo com a manutenção da atual linha de comando.
O Bahia é valioso. Quem quer comprar sabe. Espera-se que quem resolver vender também tenha a real dimensão para que um eventual negócio seja, de fato, positivo para todos.
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